Em sessão solene, o Congresso promulgou nesta quarta-feira, 26, a Emenda Constitucional (EC) 108/2020, que amplia o alcance e torna permanente o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). Sua aprovação foi resultado de ampla pressão e mobilização de entidades sindicais, como a Contee, CUT e CTB; estudantis, como UNE e Ubes; de gestores, como Undime, e de personalidades e organizações ligadas à educação. O texto é resultado da Proposta de Emenda à Constituição aprovada na Câmara, em julho, e no Senado, em 25 de agosto.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também preside o Congresso Nacional, considerou que, “se não fosse a compreensão do conjunto da obra, da compreensão de que essa matéria não poderia tramitar mais do que o tempo necessário, não poderíamos promulgá-la hoje”. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reforçou que, “quando decidimos que educação é prioridade e que precisa de mais recursos, foi uma decisão da política”.
Vitória coletiva
Para o relator no Senado, Flávio Arns (Rede-PR), a aprovação da PEC foi uma vitória coletiva que vai dar mais tranquilidade para todas as famílias brasileiras, num cenário em que mais de metade da população não tem educação básica completa. “É uma política de Estado, não de governo, que se estenderá por décadas. Principalmente no pós-pandemia, a educação tem que ser prioridade: é o que vai melhorar a economia, a saúde e dizer o que é necessário na assistência social”, avaliou.
Relatora da proposta na Câmara, a deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO) afirmou que para cada 100 crianças que procuram vaga na educação infantil, o país consegue atender somente a 36, e essa realidade deve mudar a partir de agora. “Não tem sentido o brasileiro ter o azar de nascer em uma cidade pobre e ter o direito à educação negada. Qualquer brasileiro tem o direito de ter uma boa escola, independentemente de onde ele nasça”, opinou.
Foram 5 anos de longos e intensos debates em torno da proposta, que reuniram todos os segmentos da comunidade educacional e enfrentou a atuação contrária do Governo Bolsonaro e do Ministério da Educação, ocupados em solapar o ensino público, gratuito e de qualidade. Sua aprovação coroa o esforço de dirigentes, gestores, professores, trabalhadores da educação, conselheiros, educadores, pais, mães e estudantes de todo o país.
Recursos públicos para ensino público
O novo Fundeb permitirá melhoras na oferta de uma educação com qualidade e aprimoramento das condições de oferta da educação infantil, em especial; valorização dos profissionais de educação, com carreira e formação; garantia da implementação de padrões de qualidade por meio do Custo-Aluno Qualidade (CAQ); e o cumprimento das metas e estratégias dos planos decenais de educação.
Promulgada a EC 108/202, tem início um novo período de discussões para tratar da lei de regulamentação do Fundeb para que ela garanta a continuidade das conquistas e destine recursos públicos para o ensino público, como preconiza a Contee. A regulamentação da lei deve evitar retrocessos ao texto para assegurar a tramitação da matéria com celeridade, visto que a vigência do atual Fundo expira em 31 de dezembro próximo.
O que diz a lei
O Fundeb agora é permanente. Terá aumentada dos atuais 10% para 23% a participação da União na destinação orçamentária, gradualmente: em 2021, 12%; 2022, 15%; 2023, 17%; 2024, 19%; 2025, 21%; e em 2026, 23%. Os valores alocados pelo governo federal continuarão a ser distribuídos para os entes federativos que não alcançarem o valor anual mínimo aplicado por aluno na educação. Da mesma forma, o fundo continuará recebendo o equivalente a 20% dos impostos municipais e estaduais e das transferências constitucionais de parte dos tributos federais.
Os recursos serão usados exclusivamente em sua atuação prioritária definida na Constituição: os municípios cuidam da educação infantil e do ensino fundamental; e os estados, do ensino fundamental e médio.
O valor mínimo definido no Fundeb (valor anual por aluno – VAA) para 2020 foi estipulado em R$ 3.643,16 (estima-se que esse valor aumente cerca de 50% até 2026, passando para cerca de R$ 5.500). Foi estabelecido um modelo híbrido de distribuição. Os primeiros 10 pontos percentuais do dinheiro da União serão distribuídos como no cálculo atual: é primeiramente destinado ao fundo de menor valor per capita até que esse valor se iguale ao de segundo menor valor; o restante da verba federal é, em seguida, destinado a esses dois fundos até que os valores se igualem ao terceiro menor fundo, e assim por diante – até o esgotamento dos recursos.
Outros 10,5 pontos percentuais da participação da União serão destinados às redes de ensino que não alcançarem um nível de investimento mínimo por aluno, considerando-se no cálculo desse valor mínimo não apenas os recursos do Fundeb (único critério existente hoje) mas a disponibilidade total de recursos vinculados à educação na respectiva rede.
Desses 10 pontos percentuais, pelo menos 5 pontos deverão ser destinados à educação básica — se for o caso, inclusive para escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (a educação infantil concentra a maior demanda não atendida pela rede pública no país).
Os outros 2,5 pontos percentuais de participação da União (totalizando os 23% da complementação deste ente) serão distribuídos às redes públicas que melhorarem a gestão educacional e seus indicadores de atendimento escolar e aprendizagem, com redução das desigualdades. Esses critérios ainda não foram regulamentados por lei.
Dentro da nova parcela da complementação federal, 15% desse dinheiro será destinado para despesas de capital (investimentos em infraestrutura, melhoria de equipamentos e instalações) e despesas correntes.
O CAQ, constante no Plano Nacional de Educação, será considerado como parâmetro para o padrão mínimo de qualidade do ensino. Ainda dentro da nova parcela de complementação de recursos da União, no mínimo outros 70% serão destinados ao pagamento de salários dos profissionais da educação. Atualmente esse piso é de 60% e beneficia apenas professores.
Os entes federados, uma vez recebida a complementação da União, devem redistribuir os recursos entre suas unidades de ensino, para diminuir desigualdades no âmbito de uma mesma rede de ensino.
Aos estados caberá, nos próximos dois anos, aprovar legislação para distribuir entre os municípios parte dos recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade.
Atualmente os estados repassam 25% do ICMS arrecadado às cidades. A EC 108/2020 diminui o total repassado proporcionalmente às operações realizadas no território de cada município e aumenta o mesmo tanto no repasse que nova lei estadual deverá vincular às melhorias na educação.
Fica incluída na Constituição a garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida e os termos “a qualidade e a equidade” como metas a serem perseguidas pelos sistemas de ensino, atuando em regime de colaboração. Foi excluído da Carta Magna o inciso 4 do artigo art. 212-A, que permitia que parcela dos recursos da complementação da União ao Fundeb fosse dirigida a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas.
O Fundeb atualmente representa 63% do investimento público em educação básica. Em 2019, o Fundeb distribuiu R$ 156,3 bilhões para a rede pública. Atualmente, garante 2/3 dos recursos que os municípios investem em educação. A cesta de recursos do Fundeb é composta de 20% das receitas provenientes das seguintes fontes: Fundo de Participação dos Estados (FPE); Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPIexp); Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD); Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); e cota-parte de 50% do Imposto Territorial Rural (ITR) devida aos municípios.
Ficam de fora do fundo 5% dos referidos impostos e transferências, embora continuem vinculados à educação, além de 25% dos impostos municipais próprios (Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e Imposto sobre Serviços (ISS), bem como o Imposto de Renda retido na fonte de servidores públicos estaduais e municipais.
Carlos Pompe, com informações das agências Senado e Câmara dos Deputados
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