Ministério da Saúde fala em “ajustes”. Abrasco e Diesat protestam e lembram que documento foi amplamente discutido – com o que o próprio governo concorda
São Paulo – Na última sexta-feira (28), o Ministério da Saúde fez a atualização, a primeira em 20 anos, da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). A Portaria 2.309 foi publicada na edição de ontem (1º) do Diário Oficial da União. Segundo a pasta, a nova relação – que incluía a covid-19 – foi elaborada “após ouvir diversas frentes como especialistas, profissionais da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), representantes do setor produtivo e trabalhadores e a população em geral”. Ainda assim, apenas um dia depois o governo publicou outra portaria (2.345) para revogar a anterior, provocando protestos.
A decisão “causa perplexidade por desrespeitar todas as instâncias garantidas legalmente e que foram devidamente respeitadas no processo de atualização da LDRT”, afirma, em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A entidade considera que a revogação “representa um perigoso precedente aos processos democráticos que pautam a discussão sobre a saúde coletiva no Brasil, além de um desrespeito às garantias legais que devem ser preservadas”.
O Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat) também contestou a medida, lembrando que todas as etapas do processo foram cumpridas. “A atualização significa o fortalecimento da atenção integral à Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, com ênfase na vigilância”, afirma a entidade.
“Contribuições técnicas”
Por meio da assessoria, o Ministério da Saúde disse que a revogação foi feita depois que “a pasta recebeu contribuições técnicas sugerindo ajustes”. E acrescenta: “Essas sugestões serão analisadas pela pasta e demais órgãos envolvidos antes da republicação do texto”.
Mas a Abrasco lembra que, depois de duas décadas, a atualização da lista teve ampla discussão e participação social, discussões técnicas e consulta pública. Isso ao longo de dois anos. “O produto final aprovado por diversas instâncias no próprio Ministério da Saúde, com parecer jurídico favorável, apresentação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) e assinatura do próprio Ministro”, lembra a associação. A entidade acrescenta que a LDRT “tem sido adotada como referência dos agravos potencialmente originados nos ambientes, processos e atividades de trabalho para uso clínico e epidemiológico no âmbito do Sistema Único de Saúde”.
Atualização é “fundamental”
Ao divulgar a atualização, o próprio ministério falou em “processo amplamente participativo”. E disse ainda que o novo documento, “de uso clínico epidemiológico pelos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) e toda Rede de Atenção à Saúde (RAS), permitirá qualificar a atenção integral à saúde do trabalhador, facilitar o estudo da relação entre o adoecimento e o trabalho e orientar as ações de vigilância e promoção da saúde em nível individual e coletivo”. Segundo a pasta, as principais atualizações “ocorreram nos transtornos mentais e comportamentais, doenças infecciosas e parasitárias e neoplasias (câncer), o que reflete as mudanças no mundo do trabalho”.
E o próprio secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, declarou que a atualização da lista “é fundamental para o acompanhamento da saúde do trabalhador”. E destacou, inclusive, a presença da covid-19 na relação. Isso, segundo ele, “demonstra a atenção das instâncias do SUS com as questões atuais e que dizem respeito às emergências em saúde pública”.
Não é prioridade
Ao mesmo tempo, o secretário afirmou que a inclusão não faz da covid-19 uma doença ocupacional. “Ela pode estar relacionada ao trabalho, quando ocorre falhas na aplicação das medidas de prevenção e controle coletivas e individuais em conformidade com as normas sanitárias, bem como normas de segurança e saúde no trabalho”, comentou Medeiros. A portaria revogada falava em atualização em cinco anos.
Para o Diesat, o governo Bolsonaro “não prioriza o cuidado e atenção integral” à saúde dos trabalhadores, “desconsiderando o cenário atual de mais de 120 mil mortes, das quais muitas estão ocorrendo no trajeto ou exercício do trabalho”. A entidade destaca ainda que a covid-19 “está relacionada com os processos e ambientes de trabalho no contexto atual de pandemia, cujos profissionais de saúde e de assistência social são os mais atingidos”. Assim, a revogação “representa um total descaso e escamoteamento das notificações”.
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